2º Domingo depois da Epifania
(Segundo a forma extraordinária do Rito Romano)
Evangelho: Jo 2,1-11
2. Também foram convidados Jesus e os seus discípulos.
3. Como viesse a faltar vinho, a mãe de Jesus disse-lhe: Eles já não têm vinho.
4. Respondeu-lhe Jesus: Mulher, isso compete a nós? Minha hora ainda não chegou.
5. Disse, então, sua mãe aos serventes: Fazei o que ele vos disser.
6. Ora, achavam-se ali seis talhas de pedra para as purificações dos judeus, que continham cada qual duas ou três medidas.
7. Jesus ordena-lhes: Enchei as talhas de água. Eles encheram-nas até em cima.
8. Tirai agora , disse-lhes Jesus, e levai ao chefe dos serventes. E levaram.
9. Logo que o chefe dos serventes provou da água tornada vinho, não sabendo de onde era (se bem que o soubessem os serventes, pois tinham tirado a água), chamou o noivo
10. e disse-lhe: É costume servir primeiro o vinho bom e, depois, quando os convidados já estão quase embriagados, servir o menos bom. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora.
11. Este foi o primeiro milagre de Jesus; realizou-o em Caná da Galiléia. Manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele.
COMENTÁRIO DOGMÁTICO
MARIA, MÃE DE DEUS E DOS HOMENS.
O Evangelho das bodas de Caná põe em pleno relevo o papel da Santíssima Virgem na obra da Redenção e da salvação.
É a seu pedido, pela sua intercessão, que Jesus Cristo quer fazer o seu primeiro milagre público, como para mostrar que, através dos séculos, todas as suas graças seriam alcançadas pelo mesmo intermédio, pela intercessão de sua Santíssima Mãe.
Como tal, Maria Santíssima merece toda a nossa confiança, por ser ela:
2. A MÃE DE DEUS e, como tal, PODENDO ajudar-nos.
2. A MÃE DOS HOMENS e, como tal, QUERENDO ajudar-nos.
1. MARIA, MÃE DE DEUS.
É uma verdade absolutamente certa.
Maria não é somente a mãe da natureza humana de Jesus Cristo, mas ela é Mãe de sua pessoa, e esta Pessoa é divina.
O homem é composto de um corpo e de uma alma, sendo a alma parte principal do homem, pois ela que comunica a vida ao corpo.
A nossa Mãe da terra não é autora da nossa alma, que é criada por Deus, para cada corpo em particular.
A nossa mãe é apenas a progenitora do nosso corpo; e, entretanto, ela é verdadeiramente a nossa mãe.
De fato, a progenitora não é a mãe da natureza, mas sim, a mãe da pessoa que gera.
A nossa pessoa somos nós, inteiros, é o composto substancial de corpo e alma.
Deus nos criou a alma; porém, Ele não criou a nossa pessoa, provindo esta da união substancial do corpo e da alma, de modo que a nossa mãe é a mãe da nossa pessoa.
Em Jesus Cristo há duas naturezas: a humana e a divina.
Estas duas naturezas são reunidas numa única Pessoa: a Pessoa de Jesus Cristo.
Ora, Maria é Mãe desta Pessoa, que possui; ao mesmo tempo, a natureza divina e a humana; como a nossa mãe é mãe de nossa pessoa, composta de corpo e alma.
Em Jesus Cristo há só uma Pessoa; e esta Pessoa é divina, infinita, eterna: é a Pessoa do Verbo, do Filho de Deus, igual em todas as coisas ao Pai Eterno e ao Espírito Santo.
E Maria Santíssima é a Mãe deste Pessoa.
Logo, Ela é a Mãe de Jesus, a Mãe do Verbo Eterno feito Homem, a Mãe do Filho de Deus Incarnado, a Mãe da segunda Pessoa da Santíssima Trindade humanada, a Mãe de Deus, pois tudo isso é uma mesma e única Pessoa.
“Maria de qua natus est Jesus”. (Mt. 1, 16).
II. MARIA, MÃE DOS HOMENS.
Maria é verdadeiramente nossa Mãe.
A maternidade divina e a sua maternidade espiritual são correlativas.
O mesmo raciocínio, que nos mostrou a realidade da maternidade divina, nos mostra a realidade da maternidade espiritual de Maria Santíssima.
Ser mãe é dar a vida. Maria nos deu a vida da alma, Ela é, pois, a nossa Mãe.
Há, em nós duas vidas: uma vida material e outra espiritual.
A vida do corpo é uma vida natural.
A vida da alma é uma vida divina.
É o que S. Paulo chama: carnalis homo, spiritualis homo.
Cada uma destas vidas tem uma origem diferente.
A vida da alma provém da união da alma com Deus.
Cessando a Segunda união, sobrevém a morte espiritual.
O que une a nossas almas a Deus chama-se graça; e o que a separa de Deus chama-se pecado mortal.
A nossa alma, pela graça, possui a vida sobrenatural.
E quem é que nos dá a vida?
É Deus; por isso, Ele é nosso pai. Mas também Maria que nos deu Jesus: a vida. “Ego sum vita”.
Ela é o canal desta vida, pelo qual Deus nos comunica Jesus: a vida.
Somos, pois, devedores da vida da nossa alma a Jesus e a Maria.
Jesus, sendo o nosso Pai, Maria é pois, a nossa Mãe.
Jesus nos dá esta vida, como princípio.
Maria no-la dá como canal.
Mas ambos, Jesus e Maria, cooperam na vida de nossa alma, de modo que Maria é tão verdadeiramente nossa Mãe como Jesus é o nosso Pai; sendo a paternidade de Jesus direta e imediata; e a maternidade espiritual de Maria, indireta e mediata.
III. CONCLUSÃO
Tais são os dois grandes motivos de confiança na Virgem Santíssima
Ela é Mãe de Deus e, como tal, Ela pode ajudar-nos, pois Ela é uma onipotência suplicante.
Ela é nossa Mãe e, como tal, Ela quer ajudar-nos.
Qual é a Mãe que, vendo o seu filho sofrer, e podendo aliviá-lo, não o faz imediatamente?
Maria Santíssima quer e pode ajudar-nos.
Logo, Ela o fará, desde que tenhamos para com Ela os sentimentos de confiança; que esta duas prerrogativas nos devem inspirar.
COMENTÁRIO EUCARÍSTICO:
O primeiro milagre
O evangelho nos apresenta hoje o primeiro milagre operado publicamente pelo Salvador. Este primeiro milagre tem uma relação íntima com o último, que é a instituição da Sagrada Eucaristia.
Neste primeiro milagre Jesus mudou a agua em vinho, como na Última Ceia, mudará o vinho em seu sangue.
Ele faz aqui uma transubstanciação, mudando a substância da água para a substância do vinho; como pra preludiar a outra transubstanciação, na qual mudará a substância do vinho, na substância de seu sangue.
O milagre de Caná é uma figura e um símbolo de que diariamente se opera sobre os nossos altares.
Há uma admirável aproximação entre o primeiro milagre, com que Jesus a sua carreira, e aquele com que a terminou: a Ultima Ceia.
É um fato do mesmo gênero: ambos estes há mudança real, um verdadeiramente vinho, como o vinho do cálice se torna realmente sangue.
O banquete de Caná é a figura do banquete da nova Lei. Aos servos dos esposos Maria diz: fazei tudo o que Ele vos disser; aos ministros da nova Lei Jesus Cristo diz: fazei isso em memória de mim!
Pode-se dizer que Jesus começa num destes fatos o que deve terminar no outro. Em Caná, Ele inaugura o seu poder preparando a matéria que deve servi-lhe no cenáculo; o vinho, de certo modo, aproxima-se mais do sangue e tem com este mais afinidade [...]. Possui a cor do sangue e exprime a força e a alegria que nos comunica o cálice da salvação.
[...] É o que fez pensar a São João Crisólogo, que o Salvador, pelo milagre de Caná, quis dar-nos uma como introdução e prelúdio da Sagrada Eucaristia.
Tais são as belas lições que nos ministra o primeiro milagre de Jesus Cristo. Em sua vida, em suas palavras e atos, tudo é significativo, pois tudo obedece a um plano divinamente delineado e executado.
O Salvador, sem revelar o íntimo de seus segredos e tramas escondidas de sua providência, prepara no silêncio, pouco a pouco, a relação dos mais sublimes mistérios.
Indo ao conhecimento ao desconhecido, do sensível ao espiritual, Ele prepara o espírito dos apóstolos para que na Última Ceia, sem dizer uma palavra explicativa, sem o mínimo comentário, Ele possa realizar, em termos claros e positivos o que havia mostrado em parábolas, em símbolos, no decurso da sua vida.
Vemo-lo aqui mudar a água em Vinho, fazer uma verdadeira conversão de substância ou transubstanciação, para preparar a grande conversão da substância do vinho em seu próprio sangue.
E para que a relação seja mais perfeita e sensível, aqui Ele não diz uma palavra. Podia ter dito: Isto é o vinho, ou isto é a água mudada em vinho... Não! Ele reserva a palavra explicativa para a realidade, na Última Ceia. Então, sim, Ele dirá do vinho transubstanciado: Isto é o meu sangue!
COMENTÁRIO APOLOGÉTICO:
O Destino do Homem:
Lendo o Evangelho de hoje, ficamos encantados pelo desvelo da Santíssima Virgem, a sua atenção carinhosa com os recém-casados.
Tudo isso converge admiravelmente para a grande finalidade que Jesus tinha em vista: manifestar a sua glória e robustecer a fé de seus discípulos, como diz o Evangelista na última frase de sua narração: Jesus deu início a seus milagres e manifestou a sua glória.
Manifestar a glória de Deus era, de fato, o resumo da vida de Jesus como deveria ser o resumo de nossa própria vida.
Jesus veio neste mundo para glorificar o seu Pai; e nós estamos neste mundo para esta mesma glorificação.
Deus nos deu um destino conforme a nossa natureza, nossas faculdades e tendências, o qual devemos prosseguir durante a nossa vida inteira.
Meditemos hoje este belo assunto, mostrando:
1º Qual é o nosso destino.
2º Como devemos alcançá-lo.
Estas considerações complementarão o que já vimos anteriormente da imortalidade e da liberdade da nossa alma.
I – Qual é o nosso destino
O destino do homem é a glorificação de Deus e a possessão do soberano bem, que é Deus.
O homem, pela sua alma imortal e livre, tende irresistivelmente a esta felicidade perfeita, e não encontra pleno repouso senão depois de tê-la encontrado, diz Santo Agostinho.
Notemos bem que o homem não foi criado para um fim natural. Se o fosse, ele deveria encontrar no cumprimento dos preceitos da lei natural uma beatitude natural.
Ora, tal beatitude não existe, porque o homem foi elevado por Deus à ordem sobrenatural.
É pois unicamente nesta ordem sobrenatural que está o seu destino e sua felicidade.
A vida presente pode oferecer ao homem satisfações que agradam ao corpo, como saúde, força, honras e fortuna; pode até dar um certo contentamento à sua alma pela ciência e pela virtude; pode apresentar a seu coração as afeições da amizade e da gratidão, porém nenhum destes bens passageiros pode saciá-lo completamente.
Somente Deus pode plenamente satisfazê-lo, porque só Ele possui tudo o que corresponde às aspirações do homem. Estas aspirações são: conhecer, amar e servir a Deus neste mundo, e possuí-lo no outro.
Conhecer a Deus é aplicar a nossa inteligência a estudar suas obras e perfeições.
Amar a Deus é dar-lhe o primeiro lugar em nosso coração, e não admitir nenhuma afeição reprovada por ele.
Servir a Deus é obedecer a seus mandamentos com prontidão e constância.
Tal é o fim do homem; é para conseguir este fim que Deus lhe deu o nobre destino sobrenatural de possuí-lo um dia na glória do Céu.
II – Como devemos alcançá-lo
Para realizar este destino o homem não pode ficar entregue a si mesmo; ele precisa de uma orientação: tal orientação está claramente indicada na Lei de Deus.
Do mesmo modo que Deus não podia criar o homem sem dar-lhe um destino de acordo com a sua natureza, assim o seu poder criador deveria orientar o homem pelas Leis, cujo cumprimento deveria recompensar e cuja violação devia castigar.
Deus, como criador, tem este direito, e o homem, como criatura, tem o dever de seguir estas leis.
A ordem da divina sabedoria, diz Santo Tomás, dirige tudo para um fim conveniente por meio de leis.
E quando Deus nos deu estas leis?
A primeira lei foi dada no momento da criação, e chama-se lei natural, fazendo, por assim dizer, parte da natureza do ser racional.
É chamada lei natural em oposição à lei sobrenatural ou revelada, de que já tratamos precedentemente. A lei natura refere-se a Deus, ao próximo e a si mesmo.
Para com Deus nos ensina o dever de adoração, do respeito, da submissão e da dependência absoluta.
Para com o próximo nos impõe o dever de tratá-lo, como queremos ser tratados por ele.
Para conosco, nos obriga a conservar a nossa vida e a nossa dignidade.
O homem conhece estas leis pela consciência e pela razão.
Há no homem um duplo instinto: um instinto físico que lhe faz conhecer o que agradável ou desagradável aos sentidos; e um instinto moral, que lhe faz experimentar alegria ou tristeza. É este instinto moral que chamamos consciência.
O que a consciência nos faz perceber, a razão no-lo mostra com clareza.
A razão nos mostra a obrigação de seguir a consciência, sob pena de sermos castigados por Deus.
III – Conclusão
A conclusão a tirar destas considerações é a necessidade de deixar-nos guiar pela nossa consciência, no caminho do bem, para evitar dois excessos: o escrúpulo que estreita exageradamente o caminho do céu e o relaxamento que o alegra além da medida, arrastando pouco a pouco ao pecado formal.
A nossa alma imortal tem um destino certo e imperioso. Deus lhe deu três faculdades essenciais que devem convergir para Ele:
A inteligência, que deve conhecê-lo;
O coração, que deve amá-lo,
A vontade, que deve serví-lo.
Estas faculdades para não deslizarem no erro e no vício devem seguir a lei marcada por Deus, lei que se manifesta pela consciência e pela razão, quanto à parte natural, e pela submissão a Deus, quanto à parte sobrenatural.
Assim fazendo, conseguiremos o nosso eterno destino, que é glorificar a Deus e salvar a nossa alma.
Exemplos
1. Os diversos reinos
Num exame escolar, um professo perguntou aos alunos a que reino pertence a pedra!
- Ao reino mineral, foi a resposta.
- E as plantas?
-Ao reino vegetal.
-E os animais?
-Ao reino animal.
-E o homem?
Silêncio completo. Os alunos entreolharam-se... De repente um pequenito levantou-se e respondeu: - Ao reino de Deus.
Não podia ser mais exato.
2. Salvar a alma
Um soberano pediu ao Santo Padre Bento XII uma decisão contra a sua consciência.
O pontífice respondeu:
-Sim, se tivesse duas almas, eu podia sacrificar uma para serví-lo; mas como tenho somente uma, não posso perdê-la para lhe agradar.
3. Representação da alma
É difícil representar uma coisa invisível... Os primeiros cristãos procuraram fazê-lo, entretanto.
Para figurar a presença da alma no corpo, representavam um pássaro numa gaiola. A gaiola era o corpo; o pássaro era a alma; no dia da morte o pássaro escapa da gaiola.
Geralmente este pássaro era uma pomba: símbolo da pureza que era a alma a conservar, depois de tê-la adquirido pelo batismo.
Outras vezes, a alma era figurada por um cavalo em plena carreira, para conquistar oprêmio destinado ao vencedor.
O prêmio destinado à alma cristã é o céu.
Fonte:
Extraído dos livros:
Comentários Dogmáticos p. 58-63 - Pe. Júlio Maria De Lombaerde - Manhumirim-MG: O Lutador 1958 - 2ª ed.
Mistagogia Eucarística p. 33-35 - Pe. Júlio Maria De Lombaerde - organizado por: Marcos Antonio Alencar Duarte. Belo Horizonte: O Lutador, 2009 - 1ª ed. 2009
Comentários Apológéticos p. 73 a 79 - Pe. Júlio Maria De Lombaerde - Manhumirim-MG.: O Lutador, 1940. - (disponível em:http://obraspejulio.blogspot.com.br/search/label/Coment%C3%A1rios%20Apolog%C3%A9ticos - Obras do Padre Júlio Maria)
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