No artigo anterior abordamos as questões do Cânon da Bíblia. Hoje, dando continuidade, vamos falar do Antigo e do Novo Testamento, bem como da relação entre eles.
O Catecismo pretende ressaltar que o Antigo Testamento é verdadeira Palavra de Deus (cf. nº 123), e para isso traz algumas considerações muito importantes:
121. O Antigo Testamento é uma parte da Sagrada Escritura de que não se pode prescindir. Os seus livros são divinamente inspirados e conservam um valor permanente, porque a Antiga Aliança nunca foi revogada.
122. Efetivamente, «a "economia" do Antigo Testamento destinava-se, sobretudo, a preparar [...] o advento de Cristo, redentor universal».
O Antigo Testamento ganha seu sentido maior quando lido em unidade com o Novo Testamento. Porque formam uma só Escritura.
Ainda no número 122, o Catecismo afirma que “Os livros do Antigo Testamento, «apesar de conterem também coisas imperfeitas e transitórias», dão testemunho de toda a divina pedagogia do amor salvífico de Deus”. Com esta afirmação, o Catecismo pretende ajudar na compreensão daqueles fatos muitas vezes violentos, ou até mesmo imorais que contêm alguns livros do Antigo Testamento. Para orientar ainda mais nosso entendimento, temos a Exortação Apostólica Verbum Domini que em seu número 42 diz assim:
“No contexto da relação entre Antigo e Novo Testamento, o Sínodo enfrentou também o caso de páginas da Bíblia que às vezes se apresentam obscuras e difíceis por causa da violência e imoralidade nelas referidas. Em relação a isto, deve-se ter presente antes de mais nada que a revelação bíblica está profundamente radicada na história. Nela se vai progressivamente manifestando o desígnio de Deus, atuando-se lentamente ao longo de etapas sucessivas, não obstante a resistência dos homens. Deus escolhe um povo e, pacientemente, realiza a sua educação. A revelação adapta-se ao nível cultural e moral de épocas antigas, referindo consequentemente factos e usos como, por exemplo, manobras fraudulentas, intervenções violentas, extermínio de populações, sem denunciar explicitamente a sua imoralidade. Isto explica-se a partir do contexto histórico, mas pode surpreender o leitor moderno, sobretudo quando se esquecem tantos comportamentos «obscuros» que os homens sempre tiveram ao longo dos séculos, inclusive nos nossos dias. No Antigo Testamento, a pregação dos profetas ergue-se vigorosamente contra todo o tipo de injustiça e de violência, coletiva ou individual, tornando-se assim o instrumento da educação dada por Deus ao seu povo como preparação para o Evangelho. Seria, pois, errado não considerar aqueles passos da Escritura que nos aparecem problemáticos. Entretanto deve-se ter consciência de que a leitura destas páginas requer a aquisição de uma adequada competência, através duma formação que leia os textos no seu contexto histórico-literário e na perspectiva cristã, que tem como chave hermenêutica última «o Evangelho e o mandamento novo de Jesus Cristo realizado no mistério pascal». Por isso exorto os estudiosos e os pastores a ajudarem todos os fiéis a abeirar-se também destas páginas por meio de uma leitura que leve a descobrir o seu significado à luz do mistério de Cristo.”
A Verbum Domini orienta-nos que Deus em sua pedagogia, vai manifestando sua vontade aos poucos, vai inspirando profetas, mensageiros que pouco a pouco vão instruindo o povo. Deus sabe que não adianta ensinar tudo de uma só vez! É preciso tempo para crescer na compreensão do Seu amor e do Seu projeto. Podemos verificar isso hoje em dia. Já faz 2 mil anos que Jesus veio até nós e ainda assim, aprendemos muito pouco! Mas Deus vai nos ajudando a crescer no entendimento e conhecimento da Verdade.
O Antigo Testamento deve, portanto ser crido como autêntica Palavra de Deus, sem, no entanto supervaloriza-lo como fazem os judeus (desconsiderando o Novo testamento) e nem rejeitado-o como os Marcionitas.
Marcionismo: O marcionismo é uma heresia atribuída a Marcião no século II que rejeitava o Antigo testamento e creditava na existência de dois deuses: Um deus mau (do Antigo testamento) que era apegado às leis e era castigador; e um deus bom (do Noto Testamento) que é todo amor, revelado em Jesus.
II. O Novo Testamento:
O Novo Testamento gira em torno da pessoa de Jesus, passando pelo nascimento, vida pública, morte, ressurreição e ascensão. O Novo Testamento contém a plenitude de toda a revelação que aconteceu em Jesus Cristo.
Os Evangelhos ocupam um lugar central nas Escrituras. O Catecismo no número 125 diz que: “Os evangelhos são o coração de todas as Escrituras, enquanto são o principal testemunho da vida e da doutrina do Verbo encarnado, nosso Salvador”.
No número 126, temos as etapas da formação dos Evangelhos:
- A Vida e o ensinamento de Jesus: São a base dos Evangelhos, que são realidades históricas e transmitem fielmente o que Jesus ensinou.
- A tradição oral: Aquilo que os Apóstolos ouviram e aprenderam de Jesus foi sendo transmitido e testemunhado por eles com auxílio do Espírito Santo.
- Os Evangelhos escritos: São uma síntese dos ensinamentos de Jesus, de sua vida e da pregação que os apóstolos já faziam, a fim de reforçar aquilo que pregavam. Encontramos nos Evangelhos aquilo que os escritores sagrados escolheram para anunciar Cristo.
A importância e a centralidade dos Evangelhos podem ser percebidas pela ação da Igreja, sobretudo na Liturgia.
III. Unidade entre o Antigo e o Novo Testamento:
Existe uma afirmação muito importante presente no número 129 do Catecismo que sintetiza o que queremos abordar:
“O Novo Testamento está oculto no Antigo, enquanto o Antigo é desvendado no Novo”.
A unidade entre os dois testamentos nos é indispensável para a devida interpretação das Escrituras.
“128. A Igreja, já nos tempos apostólicos, e depois constantemente na sua Tradição, pôs em evidência a unidade, do plano divino nos dois Testamentos, graças à tipologia. Esta descobre nas obras de Deus, na Antiga Aliança, prefigurações do que o mesmo Deus realizou na plenitude dos tempos, na pessoa do seu Filho encarnado.”
O que o Catecismo chama de tipologia, são os sinais, os exemplos que aconteceram lá no Antigo Testamento que já simbolizavam o que iria acontecer em Jesus. Para melhor compreender podemos ler 1 Cor 10, 1-11 onde São Paulo mostra a tipologia, relacionando a história de Moisés na travessia do Mar Vermelho com o Batismo e as realidades reveladas por Cristo no Novo Testamento.
O Catecismo nos alerta para o fato de que não devemos ficar presos no Antigo Testamento, desconsiderando o Novo ou vice-e-versa. Os Adventistas do Sétimo dia, por exemplo, estão tão presos ao Antigo Testamento que ainda guardam o sábado, desconsiderando o que nos diz o Novo Testamento além de ainda considerar a lei dos animais impuros e etc.
IV. A Sagrada Escritura na Vida da Igreja:
O Catecismo enfatiza a presença da Bíblia e a sua utilização na vida da Igreja. Para isso, considera o valor inestimável das Escrituras para o crescimento na fé:
131. «É tão grande a força e a virtude da Palavra de Deus, que ela se torna para a Igreja apoio e vigor e, para os filhos da Igreja, solidez da fé, alimento da alma, fonte pura e perene de vida espiritual». É necessário que «os fiéis tenham largo acesso à Sagrada Escritura».
Embora o Catecismo afirme que todos os fiéis devem ter acesso à Bíblia, nem sempre foi assim. Houve épocas em que devido às condições de reprodução da Bíblia, esta não era acessível a todos, uma vez que precisava ser toda copiada a mão. Houve também no concílio de Trento certa limitação ao acesso à Bíblia porque o povo não estava ainda preparado para uma leitura consciente da Bíblia, devido ao analfabetismo, a pouca escolaridade e etc. Sabemos bem que até mesmo hoje em dia, com o avanço dos estudos, ainda temos muitas dificuldades de compreensão da Palavra de Deus.
Mais adiante na história, a Igreja oferece notas de rodapé nas Bíblias para auxiliar na interpretação e correto entendimento dos textos bíblicos.
O Catecismo conclui este capítulo com as palavras de São Jerônimo: "Ignorar as Escrituras é ignorar Cristo".
A Bíblia é sustento eficaz da vida da Igreja e cresceremos em nossa fé na medida em que crescermos também no conhecimento dela.
Luan Carlos Oliveira
Ouro Preto-MG
luanjuvenato@yahoo.com.br
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