Frt. Matheus R. Garbazza, SDN
Ocupa lugar privilegiado na vida de uma paróquia a instrução catequética. De fato, a catequese é a porta por onde passam os novos cristãos (após o caminho catecumenal, em preparação para o Batismo) e o meio no qual são formados, não só em vista dos demais sacramentos, mas para a própria vivência da fé que receberam. Chamado de ‘sacramento da maturidade na graça’, a Confirmação é a conclusão dos sacramentos de iniciação cristã, que encerra um ciclo da instrução catequética. De acordo com o Catecismo da Igreja Católica [Cat.], a comunidade paroquial tem especial encargo na preparação dos crismandos, e é encarregada de despertar neles o senso de pertença à Igreja, tanto Universal quanto local (cf. nº 1309).
Pela Confirmação, o cristão tem a graça de seu Batismo aprofundada e aumentada, pela especial efusão do Espírito Santo. Tendo o Espírito selado no cristão a obra iniciada no Batismo, um de seus mais notáveis efeitos é, sem dúvida, a força especial para “difundir e defender a fé pela palavra e pela ação, como verdadeiras testemunhas de Cristo”, “confessar com valentia o nome de Cristo” e “nunca sentir vergonha em relação à Cruz” (Cat., 1303). Este sacramento confere um especial encargo a quem o recebe: defender publicamente a fé. Isso não só com palavras, mas principalmente com o testemunho de uma vida santa.
Pela importância dessa missão conferida pelo Espírito a quem recebe a Confirmação, devemos entender como se manifestou essa missão no princípio da Igreja, o modo pelo qual é conferida hoje (os ritos sacramentais) e como deve ser desempenhada.
I – A Missão crismal é manifestada pelo Espírito
Meditemos a perícope do Pentecostes: At 2,1-12. Encontramos nela como que o modelo de uma comunidade de cristãos crismados. Primeiramente, lá estão os discípulos, reunidos em comunidade. A fé católica, desde o início, manifesta-se pela união da comunidade - eis um sinal característico do cristão. Assim, a preparação para a Confirmação deve sempre insistir na necessidade da comunhão eclesial, sob a autoridade de Pedro - o Santo Padre -, e dos Apóstolos - os Bispos. São eles quem conferem a nota de unidade à Igreja de Jesus Cristo, na qual devem estar congregados todos os povos.
Estando unidos em comunidade, eis que desce sobre os Apóstolos o Espírito Santo. Essa “descida” se dá com sinais muito característicos que não permitem que passe por despercebida. O Espírito manifestou-se em “línguas como de fogo” (v. 3), acompanhadas de “um ruído como de um vento forte, que encheu toda a casa em que se encontravam” (v. 2). Isso manifesta uma realidade sobrenatural: quando o Espírito sopra, renova as realidades que encontra. Sua ação é como a de um fogo abrasador (capaz de transformar até o metal mais duro) e como a de uma grande ventania. É, portanto, uma ação transformadora.
O Espírito concede aos Apóstolos carismas específicos, como o Dom de Línguas. Tais dons nunca são enviados em benefício daqueles que os recebem, mas para os que deles necessitam, como os pagãos. É justamente para eles que os discípulos se dirigem, e o dom que receberam serve para favorecer a comunicação com os quais, em situação rotineira, ela seria impossível. Imediatamente após a recepção do Espírito Santo, os discípulos se colocam em missão, fazendo o anúncio fundamental da fé.
Por outro lado, os pagãos se aproximavam dos Apóstolos espontaneamente. Primeiramente, poderia até mesmo ser efeito dos portentos que operavam, mas sabemos que isso não é suficiente para deter a atenção do “grande público” por muito tempo. Se eles permaneceram ouvindo as palavras que lhes eram anunciadas, é porque, realmente, eram palavras atrativas. A mensagem do Evangelho é atrativa, precisamente porque é uma mensagem soteriológica, da qual necessitam os seres humanos.
É desse modo que, após o anúncio (o “querigma” petrino), os pagãos imediatamente indagam o que deviam fazer (At 2, 37). E a partir daí são acolhidos na comunidade com o Batismo, o Perdão dos pecados e o Dom do Espírito Santo. Eis a motivação preciosa para o compromisso a ser assumido após a Confirmação, compromisso que faz parte da essência do Sacramento.
II - A Missão é conferida ao cristão por meio do sacramento
Como é manifestada, no rito sagrado da Confirmação, essa missão recebida? Do mesmo modo como é manifestada a efusão do Espírito: pela imposição das mãos do Ministro Ordenado e pela sagrada unção com o Óleo do Crisma. Ambos possuem origem bíblica e manifestam, de modo bastante expressivo, as realidades sobrenaturais do sacramento. Tomemos os dois ritos separadamente e analisemo-los sob a ótica do compromisso pós-crismal:
A) A imposição das mãos
Continuando a refletir os Atos dos Apóstolos, agora no capítulo 9 (v. 17-20), contemplamos a conversão de Saulo, perseguidor dos cristãos que habitavam Jerusalém. Estava em Damasco, cego. Quando Ananias encontra Saulo, conforme a ordem que lhe fora dada pelo Senhor, impõe-lhe as mãos.
Essa imposição das mãos, segundo o próprio texto, é sinal da descida do Espírito Santo sobre Saulo. A partir dali, ele é um ungido de Deus, que o escolhera para propagar Seu nome. Saulo, ao receber o Dom do Espírito, recobra a vista. Caem de seus olhos como que escamas que os recobriam. Isso é sinal da ação do Espírito Santo na vida do Cristão: faz ver as coisas com os olhos de Deus.
A imposição das mãos simboliza, portanto, a transmissão de um Dom que se tem ou que se é. Nesse caso, Ananias transmite a Saulo o Dom que recebera de Deus: o Espírito Santo. O mesmo acontece na cerimônia da Confirmação: O Bispo transmite aos crismandos o mesmo Espírito.
Esse gesto ritual implica também em conseqüências práticas, que se tornam claras no texto bíblico. O recém-convertido Saulo, após receber o Espírito Santo pela imposição das mãos, “logo começou a pregar nas sinagogas, afirmando que Jesus é o filho de Deus” (v. 20). Analogamente, o bom cristão crismado deve professar a sua fé, e segundo os talentos que o Espírito lhe concedeu deve fazer o possível para propagá-la.
Para isso, pode contar sempre com a Graça toda-poderosa de Deus, o auxílio incessante do Espírito Santo. Assim como Saulo foi alimentado e teve suas forças recobradas após a efusão do Espírito, Nosso Senhor continua oferecendo aos seus fiéis as graças necessárias para a caminhada terrena. Especialmente devem ser citados os sacramentos da Reconciliação e da Eucaristia, que é muito propriamente o “cibus viatorum”, pão dos caminhantes.
B) A Sagrada Unção.
O rito mais significativo da Confirmação é certamente a unção da fronte do cristão com o óleo do Crisma, traçando-se o sinal da Cruz. A unção, na história da salvação do Povo de Deus, é um ritual muito significativo. O óleo simboliza a eleição de uma pessoa para uma missão específica, bem como a transmissão, a esta pessoa, do Dom do Espírito que a conduzirá nesta missão. Aarão foi ungido para ser sacerdote, Saul e David foram ungidos para serem reis, e Isaías foi ungido para ser profeta [1].
Na unção de Isaías (Is 61,1-4) percebemos alguns elementos que elucidam o que esse gesto opera na vida do eleito. Primeiramente, o Espírito está com o profeta que foi ungido. Ou seja, esse gesto transmite, não fantasiosamente, mas realmente, o Espírito Santo - com o qual o profeta pode contar e pelo qual age. Em seguida, fica claro o mandato missionário ao profeta: “enviou-me para levar a boa nova” (v. 1). O restante do texto mostra os efeitos dessa missão, a partir da unção, para a sociedade onde vive o profeta: cura, libertação, soltura, anúncio do Ano da Graça, alegria, perfume, ação de graças, restauração, renovação.
Jesus de Nazaré é, verdadeiramente, o Messias (Cristo) esperado pelo povo de Israel. Isso significa que ele é o Ungido do Senhor. Ele é o verdadeiro Rei, o verdadeiro Profeta e o verdadeiro Sacerdote. Com a Crisma, o cristão é conformado mais perfeitamente a Cristo e, portanto, é feito participante da missão de Cristo no mundo. Deve ser, portanto, cooperador da missão profética, real e sacerdotal de Nosso Senhor, com todas as implicações disso em sua vida.
A unção significa ainda um selo, uma marca de autenticação, que ratifica a obra de salvação operada no cristão, do mesmo modo como se autentica um contrato jurídico ou um ato social. “Este selo do Espírito Santo marca a pertença total a Cristo, o colocar-se a seu serviço, para sempre, mas também a promessa da proteção divina na grande provação escatológica” (Cat., 1296).
III - Desempenhando a missão recebida na Confirmação
Como exposto, a Confirmação é um sacramento de compromisso. A Tradição da Igreja diz que o confirmado é feito “soldado de Cristo” e como tal, tem a obrigação de defender a Cristo e sua Igreja onde quer que vá. Para isso, Deus não o abandona. A Crisma não é simplesmente o assumir um compromisso mas é, antes, receber a Graça de Deus para desempenhá-lo. É a partir dessa graça que se pode desempenhar adequadamente essa missão.
A vida plena no Espírito suscita nos crismados, como já dissemos, o dever de manifestar e defender publicamente a fé, a partir da configuração mais perfeita a Jesus Cristo. São diversos os modos para isso, dependendo da época, do local, dos usos e costumes do povo. Cabe destacar alguns modos mais gerais que a Igreja oferece, a partir de sua bimilenar tradição.
O principal mandamento deixado aos Apóstolos por Jesus é o mandamento do amor. “Como Eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13,34). Aí está precisamente a novidade e a radicalidade do mandamento de Jesus: não amar como a si mesmo, como indicado na lei mosaica, mas amar o próximo ao extremo, como fez o Verbo encarnado, a ponto de doar a sua vida por amor dos demais. Essa missão é fundamental para os cristãos, pois é a partir do amor que serão reconhecidos: “Nisto conhecerão todos que sois os meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,35).
A vocação da Igreja, ser presença de Deus no mundo, é fundamental para a sociedade. Não obstante grandes realizações tecnológicas e culturais do homem moderno, a ausência de Deus em seu proceder acaba fazendo com que perca o sentido último das coisas, reduzindo-o ao materialmente palpável. Por isso a importância do anúncio cristão no mundo, seja pela pregação ou, principalmente, pelo bom exemplo.
É ímpar a missão do Espírito Santo no desenvolvimento dessa missão. “No ápice da missão messiânica de Jesus, o Espírito Santo aparece-nos, no Mistério pascal, em toda a sua subjetividade divina, como aquele que deve continuar, agora, a obra salvífica, radicada no sacrifício da Cruz. Esta obra, sem dúvida, foi confiada aos homens: aos Apóstolos e à Igreja. No entanto, nestes homens e por meio deles, o Espírito Santo permanece o sujeito protagonista transcendente da realização dessa obra, no espírito do homem e na história do mundo” [2].
O primeiro movimento para cumprir com a missão de “soldado de Cristo” é precisamente cerrar fileira com os demais, ou seja, integrar-se à comunidade eclesial não só de alma (pelo Sacramento) mas também fisicamente, participando ativamente da vida da Igreja. É notável o quanto a Igreja precisa de filhos que lhe sejam fiéis e corresponsáveis. Pessoas que realmente sejam conscientes de sua vocação para edificarem o corpo de Cristo que é a Igreja, que vivam verdadeiramente uma vida cristã (ou seja, semelhante à de Jesus Cristo).
Os cristãos devem conhecer melhor a Igreja, devem se inteirar de sua vida e de sua missão. Alega-se com transbordante facilidade que “a Igreja está ultrapassada”, que “a Igreja é anacrônica” ou coisas semelhantes. É questionável se há maior prova de desconhecimento sobre o que de fato seja a Igreja do que essas afirmações superficiais. Sobre isso escrevia o Pe. Paschoal Rangel, sdn: “O que está, realmente, faltando a nós, católicos, é coragem de confessar a nós mesmos que não sabemos nada de nossa religião, de nossa doutrina, de nossa Igreja. Se o soubéssemos, descobriríamos, sem dúvida, que não há nenhuma incompatibilidade entre ciência (verdadeira) e fé (verdadeira). Que a Igreja é muito mais aberta do que imaginamos, embora não possa transigir em determinadas coisas em que, em última análise, transigir seria péssimo para o homem. Que o mundo moderno tem erros bárbaros, que não podem mesmo ser aceitos. [...] Quando a Igreja se coloca, sozinha, contra essas coisas, ela não está sendo antimoderna. Ela está defendendo o homem. Ninguém precisa sair da Igreja em busca de alguma religião ‘alternativa’ a fim de poder continuar sendo religioso sem deixar de ser moderno. Precisa, sim, conhecer melhor a Igreja” [3].
O primeiro passo para exercer frutuosamente a missão recebida na Confirmação é vida cristã na família. É da Igreja doméstica que brotam os demais serviços eclesiais. A família gera não apenas pessoas para a sociedade, mas cristãos para a Igreja. A partir da vivência familiar (primordialmente com o bom exemplo dos pais), os crismados partirão para uma ação direta na vida da Igreja, edificando o Corpo Místico de Cristo.
E quanto a Igreja necessita de cristãos que sejam comprometidos! O Concílio Vaticano II relembrou que a missão do leigo na Igreja é especifica e absolutamente necessária. “O apostolado dos leigos, decorrente de sua vocação cristã, nunca pode faltar na Igreja” [4]. São muito variados os modos de atuação eclesial com os quais contam os leigos. A atuação na comunidade local, nos movimentos eclesiais, na instrução catequética, nas diversas pastorais paroquiais, nas celebrações litúrgicas, etc., constituem modos muito eficazes de participação. Além de cumprir um compromisso próprio, é essencial perceber que essas atividades contribuem muito eficazmente para a participação de outras pessoas, muitas das quais afastadas da vida eclesial.
Sem dúvida, para isso é necessário que o católico procure uma formação adequada e específica, fruto de estudos seguros e fundamentados na Bíblia, na Tradição Apostólica e no Magistério da Igreja. É indispensável que a mensagem transmitida seja realmente a mensagem do Evangelho, da Boa Nova de Jesus. “O Apostolado não pode atingir eficácia plena, senão através da formação múltipla e integral. Exigem-na não apenas o progresso contínuo do leigo na espiritualidade e na doutrina, mas também o conjunto variado de assuntos, pessoas e encargos, aos quais sua atividade deve adaptar-se” [5].
O cristão leigo ocupa um lugar insubstituível, enfim, no campo social. “O Apostolado no meio social, a saber, o esforço de dar, pelo espírito cristão, nova forma à mentalidade e aos costumes, às leis e às estruturas da comunidade em que se vive, a tal ponto é função e dever dos leigos, que por outros nunca poderia ser devidamente realizado” [6].
Os assuntos da comunidade local oferecem oportunidades suficientes para um bom desempenho desse apostolado no meio social: participação nas escolas, centros de saúde, cooperativas, associações, etc. Ali, onde se unem pessoas dos mais diversos tipos físicos, econômicos, políticos, religiosos, etc, é um lugar privilegiado do anúncio do Evangelho e da defesa da fé, primariamente por ações (testemunho de vida), mas também com o anúncio do Mistério de Cristo, conforme ensina o Concílio. Do mesmo modo, é importante o reto proceder no meio comercial e trabalhista, bem como na vida política do país - através do voto consciente e segundo os ensinamentos da Igreja.
Por fim, o meio cultural merece especial atenção, principalmente no mundo atual em que a cultura - músicas, filmes, internet, televisão, etc. - influencia de modo tão direto a vida do povo. Dizia já o servo de Deus Papa Pio XII que os meios culturais devem “servir a verdade para estreitar mais os laços entre os povos, fomentar a compreensão mútua e a solidariedade nas provas, aumentar a colaboração entre os poderes públicos e os cidadãos” [7]. Hodiernamente, esses meios de difusão cultural estão abertos aos mais diversos tipos de discurso, muitos dos quais distantes da mensagem de Jesus, e portanto insubordinados à Verdade. Eis um vastíssimo campo de atuação para o apostolado, e que tanto necessita de cristãos dispostos a defender a sua fé.
Esse compromisso ratificado pelo cristão no dia de sua Confirmação é irrevogável. Como sabemos, este sacramento marca indelevelmente a alma com o selo do Espírito Santo. Não deve ser compreendido, entretanto, como um peso ou um fardo impossível. Pelo contrário, é uma doação amorosa de nossas vidas ao Pai. Nunca deve ser esquecido o fato de que, diante da infidelidade do ser humano, foi o criador quem nos amou por primeiro e nos enviou seu Filho, verdadeiro Deus que se fez verdadeiro homem para a remissão dos pecados. Ele se doou todo por nós, para que por sua morte e ressurreição sejamos feitos partícipes de sua vida divina. É esse mesmo Deus que nos oferece a cada dia as graças e oportunidades que nos são necessárias para a nossa salvação. Portanto, tudo que se faz deve ser depositado com amor nas mãos de Deus, para a glória Dele e para a salvação do mundo.
Manhumirim, aos oito dias do mês de junho do ano da Graça de 2010, junto do túmulo do Padre Júlio Maria De Lombaerde, dia de Santo Efrém.
Frt. Matheus R. Garbazza, SDN
[1] Cf. BORTOLINI, José. Os Sacramentos em sua vida. São Paulo, Paulus, 1981.
[2] Sua Santidade, Papa João Paulo II - Carta Encíclica Dominum Et Vivificantem, 42.
[3] RANGEL,SDN. Paschoal, Pe. Teologia de Jornal. Belo Horizonte, O Lutador, 1996. Pag. 87-88.
[4]Concílio Vaticano II, Decreto Apostolicam Actuositatem, 1.
[5]Sua Santidade, Servo de Deus Papa Pio XII - Carta EncíclicaMiranda Prorsus, 47.
[6]Idem, 13.
[7]Idem, 28.
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Para citar este artigo:
ANDRADE, Matheus Roberto Garbazza. Apostolado Caritas Fidei. O Compromisso Cristão Pós-Crismal. Disponível em:<http://caritasfidei.blogspot.com/2014/11/o-compromisso-do-cristao-pos-crismal.html> , desde 19/11/2014.
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