
A vida tem sua beleza e experimentamos no mais profundo de nós que viver é bom, viver vale a pena! Planejamos, trabalhamos, sonhamos, amamos, lutamos por objetivos e ideais. Isto porque nossa percepção radical da vida é positiva.Uma pessoa sadia não deseja morrer, não cultua a morte; toda a sua tensão é para a vida; é a vida que a emploga e a encanta. E assim deve ser!
Mas, apesar dessa percepção positiva de fundo que temos da vida, se formos responsáveis, se medirmos com realismo e serenidade nossos dias neste mundo, teremos de admitir que não somos os senhores dos planos, os senhores absolutos dos nossos dias. Ainda que alguém seja muito realizado e satisfeito com sua existência, se tiver a coragem se olhar um pouco além de si e do seu momento presente, perceberá o quanto somos todos precários, e, mais ainda, o quanto nossas realizações não suprem totalmente a sede de plenitude e sentido que nossa situação humana demanda. Alguém que assuma a existência com responsabilidade, experimentará sempre - e algumas vezes de modo muito intenso - que somos estrangeiros, saudosos de uma Pátria não conhecida, mas para a qual o coração teima em apontar, apesar de não ter uma clara imagem dela. Basta recorder a palavra da Epístola aos Hebreus: “Não temos aqui cidade permanente, mas estamos à procura da que está para vir” (13,14).
Assim, essa angústia do Salmista peregrino, esse aperto de coração do fiel judeu que se põe a caminho de Jerusalém é como aquela penosa consciência do filho pródigo: vivendo longe da pátria paterna, do aconchego e da segurança que o pai lhe proporciona, toma consciência da precariedade da existência humana, cercada de ambiguidades, perigos e tensões, bem como de tantos e tão variados traços de maldades e ameaças. Por isso mesmo, o fiel clama ao Senhor: “Senhor, livra minha vida dos lábios mentirosos e da língua traidora!”
“Mentira” é o modo como a Sagrada Escritura refere-se aos ídolos: eles são engano e inconsistência, são nada, são ilusão, desprovida de realidade, são como uma miragem que engana e decepciona os que para ela correm! Assim, a língua mentirosa é aquela que engana, fazendo o homem pensar que as fugazes, passageiras e inconsistentes realidades da vida podem encher nosso coração. A palavra mentirosa é aquela idolátrica, que é o contrário da palavra do Senhor, que é a verdade: “Todos os Teus mandamentos são verdade. A Tua palavra, Senhor é eterna, estável como o céu. Eu vi limites em tudo o que é perfeito, mas Teu mandamento não tem confins! “(cf. SI 119/118,86.89.96).
O orante sente-se, portanto, cercado pela incredulidade, pelos ímpios pagãos, desprovido do senso de Deus e do que Lhe diz respeito – empolgados e iludidos, devotos adoradores dos nadas deste mundo - que, com suas línguas enganadoras, apresentam mil modos de ser feliz nas ilusões mundanas e repetem todo o tempo ao fiel: “Onde está o teu Deus?” (SI 42/41,4).
A idolatria é essencialmente mentirosa, como Mentiroso é Satanás, o pai da mentira (cf. Jo 8,44): "A sua língua é uma flecha mortífera, falsa é a palavra de sua boca. Ele diz paz ao seu próximo, mas dentro de si lhe prepara uma cilada" (Jr 9,7). Qual cilada? A pior de todas: fazer-nos crer que as realidades deste mundo nos saciam, fazer-nos pensar que os pães deste mundo matam nossa fome e nos fazem viver de verdade, fazer-nos esquecer a tremenda advertência de que o homem não vive somente de pão, dos pães deste mundo, mas da Palavra que sai da boca de Deus (cf. Dt 8,3; Sb 16,26; Mt 4,4). É tão fácil deixar-se enganar, é tão arriscado colocar o coração em tantos bagulhos que a existência apresenta, em tantas mentiras que o mundo propõe como firmes e consistentes verdades!
Assim, consciente do perigo de cair na armadilha da idolatria, do culto ao nada, à ilusão, à falsidade, o Salmista impreca esses ídolos e os que são seus missionários (basta pensar no que divulgam os meios de comunicação, nos valores e idéias que nos querem meter goela abaixo). Impreca-os em nome do Senhor, que é o Verdadeiro e cuja Palavra verdadeira cria, dá consistência e ordem a todas as coisas e à nossa existência:
"Que te deverá dar, como retribuir-te,língua traidora?Flechas agudas de um guerreiro,com brasas de giesta".
A mentira idolátrica, a mentira que o homem gera e difunde, volta-se contra quem a segue e pore la vive, trazendo em si seu próprio castigo: a palavra mentirosa, que sai da boca como uma flecha maligna, volta-se, como uma flecha com fogo na ponta, contra os que a proferiram, carcomendo-lhes os dias numa vida gasta com o banal, com o superficial, com aquilo que não dá o veradeiro shalom e não aquieta o coração! Quanto ao justo, ao amigo de Deus, que sonha com Jeru-shalaím, visão da paz e da vida querosene em Deus podem ser encontradas, mesmo em meio à escuridão, às flechas do mal, às palavras mentirosas, o Senhor o protege!
Dom Henrique Soares da Costa
Fonte: http://costa_hs.blog.uol.com.br/
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