VII. A grande discussão

O essencial é que haja um eterna inimizade entre a mulher e o demônio: Porei inimizades entre ti e a mulher.
Eis o principal. Tal inimizade significa que deve haver oposição completa entre o demônio e a Virgem Santíssima.
Ora, esta oposição não seria completa se – ainda mesmo por um só instante estivesse sujeita ao pecado original. Donde se deve concluir que ela foi preservada deste pecado.
Depois vem a continuação do primeiro fato. Não somente haverá inimizade entre o demônio e a SS.Virgem, mas esta inimizade continuará entre a posteridade de Satanás e a posteridade da Virgem. Inter semen tuum et semen illius.
Daí conclui-se logicamente que são as mesmas inimizades que já existem entre o demônio e a Virgem, que devem continuar a existir entre a posteridade, ou a semente de ambos.
A semente do demo: é o pecado.
A semente da Virgem: É Cristo.
A inimizade entre Cristo e o demônio é absoluta, é radical, completa...
E sendo a mesma inimizade que existe entre o demônio e a mulher, deve-se concluir, de novo, que tal inimizade é absoluta, radical, completa: numa palavra: é a imaculada conceição.
Entre Cristo e o demônio nada pode haver de comum como o próprio demônio confessa: Quid nobis et tibi, Jesus? Que há entre nós e vós, Jesus? De modo que nada pode haver de comum entre o pecado e a SS.Virgem.
Ora, se Maria não fosse imaculada, isso é, preservada do pecado original, ela teria tido, fosse apenas durante um instante, qualquer coisa de comum com o pecado, o próprio pecado original. Isso repugna ao texto bíblico, como repugna à dignidade da Virgem Santa.
Depois destes princípios, a mudança de pronome: ipse, ipsa, ipsum, tonar-se uma questão de palavras, que nada muda a verdade católica.
O texto contestado é pois o seguinte: Deve-se ler: Ipse ouIpsum, conteret caput tuum.
O sentido é o mesmo nos três casos: ipse é Cristo; ipsa é a Virgem Santa; ipsum é a semente ou Cristo.
Ora, a Igreja Católica nunca pretendeu outorgar diretamente à SS.Virgem o privilégio de esmagar a cabeça da serpente, exclusivamente por si, mas unindo-se a seu Filho, pela ação de seu Filho, isso é, como Mãe de Deus.
Adotando, pois, a versão: ipse, ou ipsum, dizendo que é Cristo que esmaga a cabeça da serpente, é preciso admitir que ele o faz como Deus-homem; pois Cristo é um homem; como tal ele está unido à sua Mãe: Cristo o faz diretamente, a SS.Virgem o faz indiretamente, mas ela fica inseparavelmente associada a este triunfo.
Adotando, como a Vulgata, a versão ipsa: dizendo que é Maria SS., que esmaga a serpente; não é ela só, mas unida ao Filho; ela o faz pelo poder de seu Filho, de modo que ela continua a ser associada de Jesus, a intermediária entre Jesus e o demônio. – É a virtude de Jesus que esmaga a cabeça da serpente, pelo pé da Virgem Santa.
Isto é tão simples e lógico que, nas edições hebraicas, a mulher e o filho são unidos num único pronome: Eles te esmagarão a cabeça; o que ainda é o mais claro e o mais lógico, indicando deste modo o princípio e o instrumento: o filho e a mãe.
Eis a tremenda discussão levantada pelos protestantes, no intuito de rebaixar a Mãe de Jesus; porém tal discussão em nada prejudica a glória de Maria SS.; de modo que, através das discussões humanas, a palavra divina continua resplandecente, fulminante, mostrando-nos, desde os albores da humanidade, a figura luminosa, nimbada de esperança e misericórdia: a Virgem Imaculada.
Tal é aliás a opinião do próprio S.Jerônimo, que escolheu, entre as três diversas versões, três hebraicas que trazem ipsa, senão pela exatidão gramatical, senão pelo sentido espiritual.
Ele mesmo dá a razão desta preferência: Não pode ser outra a semente da mulher, escreve ele, senão aquele que o apóstolo diz ter sido feito da mulher...isto é, Jesus Cristo...Cristo é verdadeiramente a semente da mulher, havendo ela nascido sem cooperação do homem.
Podia-se citar ainda o Antigo Testamento este texto de Isaías: O Senhor vos dará um sinal: Eis que uma Virgem conceberá e dará a Luz a um filho, e chamarão o seu nome Emanuel,isso é, Deus conosco (Is 7,14). Este outro de Jeremias: Deus criou uma novidade na terra; uma mulher cercará um homem (Jer 31,22).
Estes passos provam diretamente a virgindade perpétua da SS.Virgem, e indiretamente a sua conceição imaculada.
VIII. Provas do evangelho
Passemos ao Evangelho, onde tal verdade não é mais figurativamente anunciada, mas positiva e implicitamente revelada.
O anjo, vindo participar à SS.Virgem que tinha sido escolhida entre todas as mulheres, para ser a Mãe do Filho de Deus, cumprimentando-a, em nome de Deus, com a seguinte saudação:Ave, cheia de graça, - o Senhor é convosco – bendita sois entre as mulheres (Lc 1,28).
Que quer dizer isso? Deus proclama a Virgem cheia de graça.Ora, num vaso cheio não cabe mais nada...
Dizendo que Maria SS. é cheia de graça, é dizer que possui todas as graças que pode conter um criatura. Se ela não fosse imaculada, podendo sê-lo, lhe faltaria qualquer coisa; não seria mais: cheia de graça.
O Senhor Deus é com ela. Ora, onde está Deus não pode estar o pecado. A presença de Deus expele todo pecado. Quando nós nascemos, Deus não está conosco, porque nascemos em pecado... Ele estava com Maria, sempre, desde a sua entrada neste mundo, porque era imaculada.
Maria SS. é bendita entre todas as mulheres. Porque bendita?...Porque será Mãe de Deus. Isso é um título, uma dignidade, merecimento pessoal. A razão da benção deve brotar do fundo da criatura: e este fundo é a sua pureza imaculada, que a separa de todas e a eleva acima de todas as mulheres.
Juntemos a esta prova decisiva as palavras inspiradas no Magnificat, onde a Virgem exclama: Fez grandes coisas em mim aquele que é poderoso (Lc 1, 49). Esta grande coisa não é somente a maternidade divina, mas também a conceição imaculada, que é como a base deste privilégio.
Outra prova insofismável: Maria SS. continua: Deus pôs os olhos em sua humilde escrava. Se houvesse tido o pecado original, deveria ter dito: Deus pôs os olhos na iniqüidade da sua escrava, como dizem os santos, e como aconselha a Sagrada Escritura. Justus prior est accussator sui.Eis a revelação implícita do grande dogma da imaculada conceição.
É o que fazia dizer S.Cirilo, desde os primeiros séculos da Igreja: “Qual é o homem de bom-senso, que pode acreditar que o filho de Deus tenha construído para si mesmo um templo, um trono animado, cedendo o primeiro direito deste templo, e o seu primeiro uso ao demônio, seu mortal inimigo? Uma tal idéia, pode ela penetrar num ser capaz de raciocínio?”
Não havia protestante neste tempo...Que diria S.Cirilo, se voltasse hoje e visse sustentarem tal absurdo?
Eis, meu caro protestante, não somente o texto pedido, mas diversos textos, uma explicação destes textos, para o Sr. poder compreênde-los. Esta verdade é tão clara que o seu próprio pai Lutero não teve a ousadia de negá-la.
Cito apenas uma passagem entre muitas. Escute bem: “Era justo e conveniente, - diz ele, - fosse a pessoa de Maria preservada do pecado original, visto o filho de Deus tomar dela a carne que devia vencer todo o pecado” (Lut. In postil. maj.).
O seu pai Lutero era menos protestante que os netinhos de hoje...sobretudo, era menos ignorante, e, apesar de sua revolta, compreendia melhor a bíblia que os nossos modernos biblistas e biblieiros, que só sabem ler com os óculos dos outros, e interpretar através dos óculos de qualquer pastor.
IX. Cheia de graça
Nova objeção. Não devia faltar. Eis, dizem eles, como os padres raciocinam. Dizem que Maria é cheia de graça...e que ser cheia de graça é ser imaculada.
Então S.Isabel “cheia do Espírito Santo”; S.João Batista, também “cheio do Espírito”, e outros, são igualmente imaculados.
É um argumento de criança. Examinem bem a diferença dos termos, e portanto da significação.
De S.João, o evangelista diz: Spiritu Sancto replebitur (Lc 1, 15).
De S.Isabel, ele diz: Repleta est Spiritu Sancto Elisabeth (Lc 1, 41).
De Maria SS.o arcanjo diz: Ave, gratia plena (Lc 1,28)
Estes termos são muito diferentes. A Sagrada Escritura emprega continuadamente o termo: Repletus...estar cheio, no sentido de abundância relativa...uma certa quantidade, comoRepletus consolatione (2 Cor 7,4), cheio de consolação; repletus iniquitate (Miq 6, 12) cheio de iniqüidade; repletus dilectione (Rom 15, 14), cheio de amor, etc.
Falando da SS.Virgem, o termo é diferente e significa uma plenitude completa. O grego Kecharitoménê, particípio passado decharitóô, de cháris, é empregado na Sagrada Escritura para designar a graça, tomado no sentido teológico, isso é, por um dom divino que adere à nossa alma. O sentido exato, dizem os exegetas é: omnino gratiosa reddita, que se tornou plenamente graciosa, em outros termos: omnino plena caelesti gratia: cheia de graça.
Os termos assim bem compreendidos, pode-se formar o silogismo: Maria SS. estava cheia de graça, ao ponto que nada mais podia conter. Ora, se ela tivesse o pecado original, ela não estaria mais cheia, pois podia receber uma graça (a preservação do pecado) que não recebera. É pois necessário admitir a imaculada conceição, como fazendo parte de sua plenitude.
Os teólogos citam outro argumento ainda (Tract. B. V. Lepicier, p.100): A graça estava na Santíssima Virgem, do mesmo modo que em Deus, devido à união dela com a divindade na produção do corpo de Jesus Cristo, que é o corpo de uma pessoa divina. Ora, esta graça tem por propriedade de nunca ter faltado a Deus. É, pois, necessário que Maria SS. nunca tenha sido privada da graça, o que só pode ser, admitindo a imaculada conceição.
Outro argumento teológico: O anjo saúda a Maria como sendo bendita entre, ou acima de todas as mulheres. Ora, em que Maria seria superior a todas as mulheres, senão pela imaculada conceição?
X. Proclamação deste dogma
Maria SS. é verdadeiramente imaculada, isso é, preservada da mácula do pecado original, pela aplicação antecipada dos merecimentos de Jesus Cristo. É um dogma da nossa fé, solenemente proclamado pelo Papa Pio IX, em 1854.
Aqui vem uma pedra formidável dos mansos protestantes. Ouço-os gritar... “Estão vendo...tal imaculada conceição é uma novidade, data apenas de 1854! É uma invenção romana!”
Pobres de espírito, escutem bem! Existir é uma coisa; ser proclamado é outra coisa.
Quando Denis Papin proclamou em 1710 a lei da pressão do vapor...já não existia a tal pressão?
Quando Ramsden em 1779 proclamou a existência da eletricidade: já não existia ela?
Quando Franklin proclamou a atração do pára-raio, em 1780... não existia ainda o raio, o trovão e o relâmpago? A asserção é ridícula.
A Igreja proclamou a conceição imaculada em 1854, em defesa deste privilégio, contra os ataques ímpios protestantes, porém tal privilégio existiu sempre, na Bíblia, na Tradição e na pessoa da Virgem Maria.
XI.Conclusão
Tiremos a conclusão: Maria SS. é imaculada. É certo.
O fim da Encarnação inclui a imaculada conceição. Este fim é resgatar-nos do pecado original; em conseqüência a Encarnação e o pecado original excluem-se mutuamente. São dois termos opostos, como são opostos os termos de luz e trevas, de dia e noite.
Como é que a Virgem, pela qual deve vir a libertação, pode ser escrava de Satanás? Como é que a Virgem, que deve dar a Cristo um corpo e um sangue imaculados, pode estar manchada pela culpa original? Seria isso dizer que pode circular uma água cristalina num canal imundo. Seria afirmar que uma mãe preta pode gerar um filho branco. Isso é o contrário da Bíblia que diz: Quem pode tirar um fruto puro de uma semente impura? (Jó 14, 36).
Como então, mais tarde, Jesus poderia expulsar os espíritos imundos (Lc 4, 36), se ele mesmo era o fruto do pecado, pelo nascimento de uma mãe pecadora?
Não está vendo que isso é insensato?
Ela nos traz a luz...e ela estaria nas trevas! Ela nos traz o preço do nosso resgate e ela seria devedora! Ela seria a mãe da pureza infinita, e ela seria impura. Ela seria a Mãe de Deus e filha do pecado!Ela seria revestida de sol, da lua e de estrelas, como descreve S.João (Apoc 12,1), e ela teria nascido nas trevas!
Não se vê que isso é uma blasfêmia... um insulto a Deus! Concluamos, pois, dizendo que Maria SS. devia ser imaculada, e que o foi, conforme o bom senso e a Sagrada Escritura nos indicam.
Pe. Júlio Maria De Lombaerde
In: "Luz nas Trevas - Respostas irrefutáveis as objeções protestantes"
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