27/06/2014

Um Coração para amar

- Reflexões sobre a devoção ao Sagrado Coração de Jesus - 

Frt. Matheus R. Garbazza Andrade, SDN

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus é uma das mais queridas a todo o povo católico. Em praticamente todo o orbe, nas mais variadas formas e manifestações exteriores, aparece o amor por aquele Coração divino que quer nos inflamar a todos com o seu amor. Especialmente propagada pelo Apostolado da Oração, essa devoção se espalha e atinge a todos nós.


Entender e praticar com firmeza a devoção ao Sagrado Coração de Jesus será para todos os fiéis uma fonte inesgotável de graças e de energia missionária para anunciar, oportuna e inoportunamente, as misericórdias do Senhor. Vamos apresentar nas linhas a seguir alguns temas sobre o amor ao Sagrado Coração, afim de que todos nós, independentemente de nossa espiritualidade particular, nos deixemos envolver por esse culto que é, desde a sua raiz, universalmente aberto à toda Igreja.

O que simboliza o coração?

Quando dizemos a respeito do Coração de Jesus, estamos num sentido mais amplo falando de um símbolo, é claro. Mas o coração propriamente dito de Jesus, aquele coração de carne, no qual pulsou o sangue recebido da Virgem Maria, também tem a sua importância.

O Coração de Jesus quer nos lembrar que Ele, segunda pessoa da Santíssima Trindade, que era Deus desde o início e sem o qual nada foi feito, quis se fazer homem conosco. Seu coração é em tudo semelhante ao nosso. Provou de tudo o que nós provamos, exceto o pecado. E agora, após a ressurreição, humanidade e divindade formam uma unidade indivisível em Jesus. É por isso que Ele pode nos entender e nos salvar: levou uma vida propriamente humana.

Tal coração é símbolo da pessoa toda de Jesus. De tudo o que ele assumiu por nós, de tudo o que ele viveu e vive. O coração é como o centro de toda ação. Logo, significa toda a ação salvadora de Jesus em nosso favor. É a fonte da vida para todo o corpo (afinal, pelo coração passa o sangue que alimenta cada um dos nossos outros membros e órgãos): assim sendo, o Coração de Jesus é aquela fonte que dá vida à toda Igreja.

Tudo o que há de mais profundo em nós, todos os nossos sentimentos, afetos, amores, virtudes, é simbolizado pelo nosso coração. Dizemos que o coração é o foco de tudo o que nos afeta mais profundamente. Por isso honramos o Coração de Jesus como aquele centro irradiador de todas as graças, ou como reza a ladainha: “fonte de vida e de santidade”.

O Coração de Deus na Bíblia

Poderíamos usar muitas passagens das Sagradas Escrituras para nos lembrar o amor de Deus por nós, amor esse que é simbolizado pelo seu próprio Coração. Vamos enumerar três passagens, para meditarmos esse divino amor:

a)     Coração de Jesus, manso e humilde [Mt 11,25-30]: Jesus ensina os discípulos, e nós também, a aprendermos com ele, com as atitudes de seu coração. Pois ele é “manso e humilde”. Nos ensina, mesmo no meio de nossos apostolados e lutas cotidianas, a não perdermos aquela serenidade que caracteriza os filhos de Deus. Que não percamos aquele amor pelo próximo que é nossa vocação maior. Em Jesus, e por extensão em sua Santa Igreja, temos a certeza de que podemos encontrar repouso e segurança. É o que diz a ladainha com as palavras: “fonte de toda a consolação”.

b)    Pastores segundo o coração de Jesus [Jr 3,14-18]: O Senhor se preocupa tanto conosco, que desde os inícios prometeu que nos enviaria pastores segundo o seu Coração. As características desses pastores são indícios das perfeições divinas: clarividência e sabedoria. Alegremo-nos com o Coração de Jesus, que quis deixar à sua Santa Igreja Católica os pastores do seu coração: o Papa, os Bispos, os sacerdotes e diáconos, que guiam a comunidade cristã pelos caminhos de Deus.

c)     Coração Transpassado [Jo 19,31-37]: A imagem de Jesus pendente da Cruz sendo transpassado pela lança do soldado é uma das mais fortes de toda a Escritura. É o fim de seu tormento, é o sinal forte de seu esvaziamento total por amor de nós. E mesmo nessa hora de trevas, a hora mais escura de sua existência, não deixa de nos amar. Deixa-nos simbolizados no sangue e água que jorram de seu coração os seus dons mais preciosos: a Igreja, a Eucaristia e o Batismo, dons da comunidade cristã.

O resumo do Evangelho

No Coração de Jesus, temos um resumo perfeito do Evangelho. Pois o coração de Jesus, como bem lembra o Pe. Júlio Maria, não é uma relíquia morta e separada de um corpo. Pelo contrário, é um coração palpitante e fervorosos do Cristo vivo e ressuscitado e que, assim, é capaz de velar continuamente por nós.

Esse coração é símbolo do amor de Deus pela humanidade – amor criador, redentor e santificador. São João, em sua carta, define Deus justamente pelo amor: “Deus é amor”, diz o discípulo amado (confira: 1Jo 4,7-16). Aquele que ama verdadeiramente, com amor dilatado e desinteressado, conhece a Deus.

Todo o evangelho é como a carta de amor que Deus escreve para a humanidade: uma carta viva em Jesus Cristo, que torna visível e pessoal o amor do Pai. Sua missão entre nós é a comunicação desse interesse supremo de Deus pelo ser humano, sua criação dileta. É por isso que a ladainha diz que o Coração de Jesus é uma “fornalha ardente de caridade”, isto é, de amor.

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus se torna, assim a resposta de uma esposa amada, a Igreja, ao seu esposo amante: o próprio Deus. Todos os nossos atos de amor para com o Coração de Jesus são ainda poucos em comparação com tudo o que ele fez por nós. Mas, ainda assim, nos colocamos humildemente diante dele para manifestá-lo nossa gratidão. [A esse respeito, uma curiosidade interessante: na carta do Papa Pio XII sobre o Coração de Jesus a palavra “amor” aparece 125 vezes].

Nossas atitudes diante do Coração de Jesus

“A verdadeira devoção consiste em querer tudo o que é pleno a amoroso ao serviço do Senhor. Querê-lo com eficácia e prontidão: eis o essencial”, diz o bom São João XXIII. A devoção ao Sagrado Coração de Jesus não é, nem de longe, uma desculpa para a acomodação ou para a frouxidão da vida espiritual e apostólica. Não pode ser um anestésico para nossas almas e nossos corpos.

Se nos lançamos ao amor pelo Sagrado Coração, estamos nos colocando prontos para o grande combate ao qual nos convoca a vida cristã. Devemos estar sempre alertas, vigilantes e em oração, conforme o ensinamento do Divino Mestre. “Levantai-vos, soldados de Cristo!” – eis o hino que cantamos em honra do Coração amante.  Diante de tantos males que afligem nossa terra, não podemos jamais nos acomodar. Tal devoção nos estimula a termos os mesmos sentimentos de Jesus: amor por Deus, pelos irmãos, esforço constante pela santidade, abertura à graça de Deus.

A respeito dessa abertura à graça e ao amor de Deus, uma certeza temos: tal amor sempre se oferece a nós, a todo tempo. Desde quando fomos formados, ainda nos inícios de nossa existência, o Senhor nos ama e nos quer. A partir de nossa vida de fé, em comunidade, vamos sendo aos poucos formados pelo Coração de Jesus. Uma atitude fundamental de nossa parte é acolhermos esse amor, dom gratuito de Deus, que nos vem pelos “canais” à nossa disposição: a Igreja, a Palavra de Deus, os Sacramentos, os irmãos e irmãs.

A união com Jesus está intimamente ligada à contemplação da Santa Cruz, na qual se manifesta de maneira inconfundível e inquestionável o amor de Jesus pela humanidade. O Papa Bento XVI lembra-nos que só é possível ser cristão contemplando o Crucificado (“Olharam pala aquele que trespassaram”, diz o Evangelho – Jo 19,37), e retirando de sua entrega as consequências práticas para a nossa vida: “O olhar dirigido ao Senhor, que ‘tomou as nossas enfermidades e carregou as nossas dores’ (Mt 8, 17), ajuda-nos a tornar-nos mais atentos ao sofrimento e à necessidade dos outros”, diz ele.

Nós podemos tornar essa união com o Coração de Jesus cada vez mais forte por meio da Sagrada Comunhão. Na Eucaristia, o Coração Eucarístico de Jesus passa a pulsar em nosso próprio coração. O efeito da Eucaristia é fazer com que os nossos desejos e ações sejam os mesmos de Cristo. O Sacramento do altar é parte fundamental da devoção ao Sagrado Coração: ali ele está realmente presente. De fato, “não é pequena a parte que na eucaristia teve o seu coração, sendo tão grande o amor do seu coração com que ele nô-la deu”, diz Santo Alberto Magno.

Enfim, tenhamos a certeza de que o Sagrado Coração de Jesus é como uma bandeira, sob a qual deve se reunir todo o mundo católico. No meio de tantas dificuldades enfrentadas por nós e nossas comunidades, precisamos dessa bandeira que nos identifica e nos reúne em torno do mesmo objetivo. Contemplando tanta corrupção e injustiça, tanto amor próprio, tantos roubos e assaltos, o avanço das drogas, do crime, da fome e da indiferença religiosa, temos muitos motivos para desanimar. Mas não faremos isso! O Coração de Jesus, “nossa vida e ressurreição”, nos anima a recomeçar a cada dia a luta pelo Reino de Deus.

- Coração de Jesus, venha a nós o vosso Reino! É o brado de todos nós, devotos do Sagrado Coração de Jesus. Colocamos diante dele a nossa vida e a de todos aqueles que nos são caros. E colocamos à disposição de Jesus as nossas mãos e a nossa boca, para em toda parte evangelizarmos e fazermos parte no número daqueles que, com inteira confiança, acreditam nas palavras do Filho de Deus.

Matozinhos, 27 de junho de 2014
Solenidade do Sagrado Coração de Jesus

Fontes:
DE LOMBAERDE, Júlio Maria. O Evangelho das Festas Litúrgicas. Manhumirim: O Lutador, 1952.
Papa PIO XII. Carta Encíclica Haurietis Aquas. 1956.
Papa SÃO JOÃO XXIII. Diário Íntimo. Lisboa: Agir, 1964.
Papa BENTO XVI.  Carta ao Padre Peter-Hans Kolvenbach, por ocasião do 50º Aniversário Da Encíclica “Haurietis Aquas”. 2006.

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Para citar este artigo:

ANDRADE, Matheus Roberto Garbazza. Apostolado Caritas Fidei. Um Coração para amar. Disponível em: http://caritasfidei.blogspot.com/2014/06/um-coracao-para-amar.html , desde 27/06/2014.

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