31/05/2014

Nossa Senhora do Bom Despacho

-Considerações a respeito deste título da Virgem Maria-

Frt. Matheus R. Garbazza Andrade, SDN

Todos sabemos que o carinho e a devoção do povo de Deus o levaram a ornar a Virgem Maria, ao longo dos séculos, com diversos títulos que realçam aspectos de sua existência tão santa. Desde os que são ligados aos mistérios de sua vida terrena até àqueles que se referem ao local de suas aparições respaldadas pela autoridade da Igreja. Cada fiel vai descobrindo, no seu modo de ser e de pensar, aquele título que mais facilita a sua relação filial para com essa Mãe tão querida e tão amada por todos nós.

Queremos, em breves linhas, salientar o sentido desse título: “Nossa Senhora do Bom Despacho”. Por não ser muito conhecido, talvez não se consiga divisar a beleza dessa invocação tão profunda, que bem se poderia colocar ao lado de outras elencadas pelo Concílio Vaticano II: Advogada, Auxiliadora, Protetora, Medianeira.

A raiz da devoção à Nossa Senhora do Bom Despacho está em Portugal, provavelmente surgindo por volta do século XVII, quando aparecem as primeiras festas relacionadas a essa invocação da Virgem. Contam piedosas tradições que São Francisco Xavier, quando esteve em Lisboa antes de ser enviado em missão para o Oriente, se detinha várias horas em oração diante de uma imagem de Nossa Senhora do Bom Despacho. No Brasil contamos com algumas igrejas em que este título é o orago, especialmente no Mato Grosso e em Minas Gerais.

A expressão “do Bom Despacho” remete ao processo jurídico do despacho, isto é, dos encaminhamentos que o Rei (ou, mais atualmente, os juízes) fazem perante seus ministros para darem ordens ou fazerem comunicados. Aplicados à história da Salvação, diz-se que Maria Santíssima realizou com o Criador o grande “despacho”, isto é, a própria encarnação do Filho de Deus entre os homens (Cf. Lc 1,26-38), para que pudesse “habitar entre nós” (Jo 1,14). Evidentemente que os “despachos” concedidos pela intercessão da Virgem Maria são sempre positivos, daí a adjetivação de “bom”.

A intercessão da Virgem Maria junto de Deus, obtendo dele favores para seus filhos, colocam-na alinhada àquelas “mulheres de valor” da Sagrada Escritura: Sara, Agar, Rebeca, Raquel, Tamar, Rute, Débora, Judite, Ester.

Contemplando, por exemplo, a história de Judite, vemos que a sua atuação levou o povo de Israel a reconhecer a presença salvadora de Deus no meio deles, prestando a Ele o seu culto em Jerusalém: “Chegando a Jerusalém, adoraram a Deus. Depois que o povo se purificou, ofereceram o holocausto ao Senhor, com suas ofertas voluntárias e seus dons” (Jt 16,18). Mesmo dentro de uma sociedade fortemente patriarcal, os israelitas reconhecem o grande prestígio de Judite diante de Deus: “Tudo isto fizeste com a tua mão, fizeste o bem para Israel e Deus se agradou destas cosias. Tu és bendita, ó mulher, junto de Deus todo-poderoso, para todo o sempre” (Jt 15,10).

Observando ainda os favores alcançados pela atuação de Ester, sua intervenção “em prol de seu povo suscitou, no Cristianismo, a aplicação mariológica de alguns textos: também Maria intervém por seu povo, a Igreja, e por todos aqueles que buscam Deus (Est 5,1b-s; 7,2b-3) [Cf. Introdução da “Bíblia da CNBB”, p. 563]”. A atuação de Maria não é uma reprodução do que fizeram essas santas mulheres, mas encontra nelas uma linha de contínua atuação de Deus em favor de seu povo necessitado.

Quando exaltamos a intercessão de Maria (os seus “despachos” junto de Deus), nunca confundimo-la com a única mediação exercida por Jesus Cristo. São duas coisas completamente diferentes. A esse respeito, já esclarecia o Pe. Júlio Maria De Lombaerde: “Jesus Cristo é o único Medianeiro entre Deus e os homens. É certo: ele é mais que medianeiro, Ele é o Senhor, é o Mestre, é Deus. Fazendo-se homem, aprouve-lhe nomear a Virgem Santíssima a sua auxiliar: auxiliar secundária, não necessária, mas sumamente útil. [...] Assim, a mediação secundária de Maria SSma. em nada prejudica, altera ou diminui a autoridade de Jesus Cristo, pois ela não age por conta própria, mas de acordo com Jesus e sob a direção de Jesus”(“A Mulher Bendita”, p. 355).

Tal dependência direta do Filho na prática mediadora da Mãe é atestada com muita precisão no episódio evangélico das bodas de Caná. A Virgem Santíssima escuta as dificuldades do povo de Deus, representadas pela falta do vinho, alcança de Jesus os favores necessários e dá a ordem aos servos, salientando o modo de receber a Graça de Deus. E essa ordem da Virgem Maria é sempre: “fazei tudo o que Ele vos disser” (a esse respeito, cf. Jo 2,1-12).

O poder intercessor de Maria junto de Deus sempre foi reconhecido pela piedade dos fiéis e pelas palavras dos Papas. Lendo, entre outros autores espirituais, São Bernardino e o Papa Leão XIII, Dom Antônio A. Miranda faz uma comparação entre a intercessão da Mãe de Deus com as funções administrativas (comparação bem próxima com o sentido do título que temos em análise). Diz ele: “Seu papel não é, nos pensamentos destes mestres, relativamente à mediação, de mera suplicante. É uma função administrativa que ela exerce” (“Nossa Senhora das Graças”, p. 160).

Por esses exemplos, podemos perceber a profundidade do título de Nossa Senhora do Bom Despacho. Tal qual como fez na terra enquanto vivia entre nós, ela age agora no céu: escuta nossas preces e apresenta-as a Deus, alcançando dele aquelas determinações de que mais necessitamos.

É o que nos ensina, inequivocamente, o Concílio Vaticano II: “Assunta aos céus, ela não abandonou esse salvífico múnus, mas por sua múltíplice intercessão prossegue em granjear-nos os dons da salvação eterna. Por sua maternal caridade cuida dos irmãos de seu Filho, que ainda peregrinam rodeados de perigos e dificuldades, até que sejam conduzidos à feliz pátria” (“Lumen Gentium”, 62).

Aproximemo-nos, portanto, com filial confiança da Mãe de Deus, intercessora perene junto de seu divino Filho. Apresentemos a ela todas as nossas alegrias, nosso contentamento, nossa ação de Graças. Mas sintamo-nos também livres para contar-lhe nossas angústias, preocupações, problemas. Roguemos a ela que consiga para nós aquilo de que necessitamos, e que “despache” as graças necessárias à nossa perseverança. Tudo isso, longe de criar em nós um espírito de devocionismo mariano, nos levará à união ainda mais perfeita com Deus!

E não nos esqueçamos, na linha daquilo que nos ensina o Papa Francisco, daqueles que mais necessitam! Falando sobre a materna intercessão de Maria, dizia assim o Papa Pio XII: “Peçam ainda, recorrendo à Mãe de Deus, pão para os famintos, justiça para os oprimidos, pátria para os refugiados e exilados, um teto hospitaleiro para os que não têm casa [...]; a alegria da luz resplandecente para os que são cegos no corpo e na alma; e para aqueles que vivem separados pelo ódio, pela inveja e pela discórdia, que obtenham, por meio da oração, a caridade fraterna, a união dos ânimos e a tranquilidade operosa, que é fundada na verdade, na justiça e em relações amistosas” (“Fulgens Corona”, 35).

Àqueles que desejavam saber um pouco mais sobre o significado desse título da Mãe de Deus, esperamos que algumas luzes tenham sido lançadas. Ainda mais belas palavras poderiam ser colhidas atestando o poder de Maria de despachar boas graças para nós. As que aqui coletamos, assim cremos, podem nos aquecer o coração naquela confiança de que a Virgem Santíssima possa sempre nos levar a querer ser mais de Deus, mais da comunidade, mais do próximo. Assim seja!


Nossa Senhora do Bom Despacho, rogai por nós!

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Para citar este artigo:

GARBAZZA, Matheus Roberto. Apostolado Caritas Fidei. Nossa Senhora do Bom Despacho. Disponível em: http://caritasfidei.blogspot.com/2014/06/nossa-senhora-do-bom-despacho.html , desde 31/05/2014.


Um comentário:

  1. Belíssimo texto.
    Parabéns, Padre Matheus!
    Você tem sempre um jeito singular de nos evangelizar.
    Deus o abençoe.

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