25/02/2014

Jejum e abstinência

Aproximando-se o tempo quaresmal, postamos esta resposta¹ do Servo de Deus Pe. Júlio Maria De Lombaerde a um protestante que o questionou acerca da prática do jejum:


I. A razão de ser

A Igreja, ciosa de seguir em tudo as prescrições e os conselhos do divino Mestre, prescreveu o jejum e a abstinência, como penitência, em certos dias do ano.

O jejum consiste em privar-se de uma parte dos alimentos habitualmente usados, e refere-se à quantidade do mesmo alimento.

A abstinência consiste em privar-se de carne em certos dias, por espírito de penitência, e refere-se, pois, à qualidade do alimento.

Jesus Cristo prescreve o jejum sem indicar o dia deste jejum; aconselha esta prática como meio de alcançar o perdão das faltas, de expiá-las e de domar as paixões da carne. Tudo isto está claramente indicado na Bíblia.

Não tendo Jesus indicado o tempo, nem o dia destas penitências, cabe à Igreja determiná-los, para que os preceitos e os conselhos do Salvador não fiquem esquecidos.

Percorramos, meu caro crente, os exemplos, os conselhos e preceitos do jejum, indicando bem os passos, para que o amigo os possa verificar em sua bíblia.



II. Preceito do jejum

Digo logo, para espantar o meu amigo crente, que o jejum constitui não simplesmente um conselho ou uma lei eclesiástica, mas sim uma lei divina, como a oração e a esmola.

A prova é simples: o que Jesus Cristo une num mesmo preceito, deve possuir a força deste preceito. Ora, lemos em S. Mateus que o Salvador dez três preceitos para cumprir a lei e as profecias: esmolas, oração e jejum.

O capítulo VI de S. Mateus é a majestosa exposição desta verdade. Jesus Cristo diz ao terminar: quando jejuardes, não vos mostreis tristes... Ungi a vossa cabeça e lavai o vosso rosto... Para não parecer aos homens que jejuais, mas a vosso Pai, que vos recompensará (16, 17-18).

Em outro lugar o Salvador ensina que há tentações, que só se combatem à força de oração e do jejum (Mt 17, 20).

Ora, todos nós somos tentados... Todo homem é tentado pela sua própria concupiscência, diz S. Tiago (1, 14). Para resistir a estas tentações precisamos, pois, recorrer à oração e ao jejum.

Eis já o quanto é claro e irrefutável.

Examinemos agora se o tal preceito foi praticado pelo próprio Salvador.


III. Exemplo de Jesus Cristo

O grande modelo a imitar é Jesus Cristo. Ele é o caminho: Ego sum via, veritas et via (Jo 14, 6); e seguindo o seu exemplo não podemos enganar-nos. 

Ora, lemos em S. Mateus, que antes de iniciar a sua grande obra – a fundação da Igreja, – o Salvador foi conduzido ao deserto, onde jejuou durante quarenta dias e quarenta noites (Mt 4, 12).   Como é que os amigos protestantes, que pretendem seguir a Bíblia à risca, não imitam a Jesus Cristo jejuando, em vez de atacarem o jejum praticado pelos católicos, em imitação do seu divino modelo? Que contradição! A Bíblia está repleta de exemplos de jejum. Em toda parte, em todas as necessidades encontramos a oração e o jejum, como duas práticas inseparáveis, para aplacar a Deus e obter os seus benefícios.

O jejum é como o sustento da oração. É boa a oração acompanhada de jejum, diz Tobias (12, 8). Voltei meu rosto para o Senhor, meu Deus, para o rogar, o conjurar em jejuns, diz Daniel (9, 3-4).

O ímpio Acab, provocando a justiça de Deus, por causa da vinha de Nabot, jejuou coberto de um cilício e alcançou certa indulgência.

Os ninivitas, urgidos que fizessem penitência, observavam o jejum, para alcançarem a clemência de Deus, etc., etc.         


IV. A origem da quaresma

A quaresma, ou os quarenta dias de jejum, praticados na Igreja Católica, foi instituída pelos apóstolos, em lembrança de do jejum de Jesus Cristo.

A prova desta asserção encontra-se na regra traçada por Santo Agostinho: “Toda prática, diz ele, recebida por toda a Igreja e cuja origem não pode ser atribuída, nem a um bispo, nem a um papa, nem a um concílio, deve ser considerada com uma instituição apostólica”.

Ora, a quaresma foi sempre observada por todas as nações cristãs e não se pode remontar a sua origem a uma instituição humana, posterior aos tempos dos apóstolos; logo foi instituída por eles.

Os amigos protestantes dizem que tal prática foi instituída pelo Concílio de Niceia. É falso, pois o Concílio de Niceia realizou-se em 325, e encontramos já nos escritos de Tertuliano e de Orígenes, no ano 200, a menção positiva da quaresma.

S. Jerônimo, no ano 400, escreveu: “segundo a instituição apostólica, observamos um jejum de 40 dias” (Ep. ad Marcel.).

S. Leão é mais positivo ainda: “foram os apóstolos – diz ele – que, por inspiração do Espírito Santo, estabeleceram a quaresma”.

“Jejuamos em qualquer outro tempo, – diz também Santo Agostinho, – se quisermos, mas, durante a quaresma, pecamos, se não jejuamos”.

Eis, pois, bem demonstrado que a quaresma é uma instituição dos apóstolos, instituída por eles, talvez por ordem ou conselho de Jesus Cristo, para imitar e lembrar o jejum de 40 dias do próprio Salvador.


V. O jejum na antiga e nova lei

O jejum da sexta-feira, como já disse, não existe senão na cabeça do protestante à cata de objeções; mas se existisse, teria ainda sua razão de ser, o seu fundamento. Este fundamento seria a lei da Igreja.

A Sagrada Escritura prova a necessidade do jejum, sem determinar os dias deste jejum. Os apóstolos instituíram a quaresma. A Igreja de Jesus Cristo possui uma autoridade divina, igual à autoridade dos apóstolos, pois os papa é o legítimo sucessor dos apóstolos. É, pois, inegável que o papa possa prescrever jejuns ou suprimi-los, em certos dias, para um fim útil ou conveniente. O jejum, como mortificação do corpo, é um preceito divino; o modo prático de exercê-lo deve ser regulamentado pela Igreja, por lei eclesiástica, que obriga a consciência.

A Igreja recebeu de seu divino fundador o poder de legislar, ou formar leis: tal poder pertence necessariamente à autoridade de governar que S. Pedro recebeu do Salvador: Dixis ei (Pedro): Pasce oves meas (Jo 21, 17).

Não se pode negar este poder à autoridade eclesiástica, tanto mais que a lei antiga dava este poder a seus chefes, como lemos na Bíblia.

Josafaz fez publicar um jejum em toda a Judeia (2 Par 20, 3), o que foi aprovado pelo Senhor, que lhe concedeu o favor implorado.

Esdras publicou também um jejum pela feliz jornada dos judeus que voltaram do cativeiro da Babilônia. Publiquei um jejum, diz ele: nós jejuamos, pois, e tudo nos sucedeu com felicidade (1 Esd 8, 21-23).

Jeremias publicou igualmente um jejum em Jerusalém, para toda a multidão vinda de Judá, a fim de aplacar as vinganças do Senhor (Jer 36, 9).
O profeta Zacarias faz menção de quatro jejuns, ordenados por Deus (Zac 3, 19).

Eis como a Igreja do antigo testamento preceituava o jejum e determinava o tempo e o modo de praticá-lo, por ordem divina. É, pois, lógico que a Igreja do novo Testamento goze do mesmo poder de que gozava a Igreja antiga, que era apenas o esboço, o símbolo e a imagem da Igreja de Cristo.


VI. A abstinência da carne

Devemos, pois, concluir que a Igreja tem o direito de impor, em certos dias determinados, o dever de jejuar e de abster-se de certos alimentos por lei positiva do direito eclesiástico.

Se tem o poder de prescrever o jejum, deve ter também o poder de prescrever a abstinência de certos alimentos. Tal abstinência não é novidade; existiu na lei antiga, como existe hoje na Igreja Católica.

Os próprios apóstolos prescreviam tal abstinência. Abster-vos-ei de das carnes sacrificadas aos ídolos, do sangue e dos animais sufocados, dizem os Atos (15, 29).

Se os apóstolos prescrevem de abster-se de certas carnes, podem naturalmente prescrever tal abstinência em tempos e dias marcados, como faz a Igreja, prescrevendo em certos países a abstinência de carne, nas sextas-feiras, em lembrança da morte do divino Salvador. É claro, é simples e incontestável.


VII. Conclusão

A conclusão é irrefutável. A Igreja Católica, fiel aos ensinamentos da Bíblia, apoia-se em todas as suas doutrinas sobre o texto sagrado, e faz dele o pedestal divino dos dogmas, da moral e até das cerimônias de culto.

O protestantismo, pelo contrário, limita-se a exaltar a Bíblia, e na prática afasta-se completamente dos ensinos da mesma Bíblia.

Jejuar e abster-se de certos alimentos é uma prática que vem do começo da humanidade; pouco importa que o protestante proteste, porque a sua lei, a base do ser credo é protestar contra a verdade católica.

Se a Igreja proibisse o jejum e a abstinência, os amigos protestantes citariam centenas de textos para provar que o jejum e a abstinência são preceitos divinos. E estes textos poderiam ser encontrados, de fato.

A Igreja, firme na resolução divina, sustenta a verdade; e o protestante, embora não encontre nenhum texto, absolutamente nenhum, contra o jejum e a abstinência, protesta e quer textos que provem que se deve jejuar nas sextas-feiras.

É ridículo! É como se pedissem textos que provem que a gente deve deitar-se e dormir de noite.

O sono da noite é lógico: é o descanso das fadigas do dia; e tal como sono não precisa de textos para ser desejado e efetuado pelos protestantes como pelos católicos.

Eis os textos, caro crente. Queira lê-los, meditá-los e compreendê-los, e, em vez de protestar, faça também seu pequeno jejum nas sextas-feiras, com uma abstinência de carne para honrar a morte do Salvador e alcançar o perdão da sua incorrigível mania de protestar contra a lei divina!

____________________________________

Pe. Júlio Maria De Lombaerde 
in: Luz nas trevas- Respostas irrefutáveis às objeções protestantes - Editora Vozes 6ª edição, 1955 - pág. 202 a 208.


Notas:

1- Refere-se à 15ª das 20 objeções apresentadas por um protestante ao padre Júlio Maria. Este, por sua vez, respondeu todas as objeções no livro: "Luz nas Trevas- Respostas irrefutáveis às objeções protestantes".


Nenhum comentário:

Postar um comentário