03/12/2012

A Bíblia (II) – Interpretação e os sentidos da Escritura (CIC 109 -119)


No artigo o anterior, vimos que Deus é o autor das Sagradas Escrituras, que Ele inspirou os autores sagrados e também que a Bíblia ensina a verdade. Pois bem, avançando no nosso estudo, vamos agora abordar a interpretação das Escrituras e o seus sentidos.

O número 109 já aponta uma realidade muito importante: Deus fala aos homens à maneira dos homens! O Catecismo aqui aponta a didática de Deus para com o ser humano. Para nos comunicar seu projeto de amor, Deus se faz igual a nós. Mesmo sendo Deus vem ao mundo, se faz um de nós e fala à nossa maneira. Isto faz lembrar as palavras do Apóstolo São Paulo quando diz na carta aos Coríntios:

“Para os judeus fiz-me judeu, a fim de ganhar os judeus. Para os que estão debaixo da lei, fiz-me como se eu estivesse debaixo da lei, embora o não esteja, a fim de ganhar aqueles que estão debaixo da lei. Para os que não têm lei, fiz-me como se eu não tivesse lei, ainda que eu não esteja isento da lei de Deus - porquanto estou sob a lei de Cristo -, a fim de ganhar os que não têm lei. Fiz-me fraco com os fracos, a fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, a fim de salvar a todos. E tudo isso faço por causa do Evangelho, para dele me fazer participante.” – 1Cor 9, 20-23


Sabendo disso, é preciso estar atento ao que os autores humanos quiseram transmitir e ao que Deus quis manifestar através das palavras deles (cf. CIC 109). Por isso, na continuidade deste pensamento, o Catecismo alerta para a devida interpretação das intenções dos autores sagrados. Para tanto, traz uma citação da Constituição Dogmática Dei Verbum (Vaticano II):

110. Para descobrir a intenção dos autores sagrados, é preciso ter em conta as condições do seu tempo e da sua cultura, os «gêneros literários» em uso na respectiva época, os modos de sentir, falar e narrar correntes naquele tempo. «Porque a verdade é proposta e expressa de modos diversos, em textos históricos de vária índole, ou proféticos, ou poéticos ou de outros gêneros de expressão»”.

Para interpretar a Bíblia é preciso considerar as circunstâncias em que os textos foram escritos, considerar o autor, o contexto de época, cultura, estilo literário e etc. Se isso não for realizado, certamente o resultado será uma interpretação fundamentalista que tira o foco da real mensagem do Evangelho.

No número 111, temos um alerta: É o Espírito Santo que interpreta as Escrituras, sem esta interpretação divina a Bíblia seria uma letra morta. Ou seja, todo e qualquer esforço humano para compreender a Bíblia é válido, mas só é eficaz quando se abre à ação do Espírito Santo. Foi Ele que inspirou os autores humanos e, portanto é também Ele quem ensina a compreender.

Cabe-nos um bom censo: Não adianta fechar os olhos e esperar que Deus interprete por nós enquanto ficamos acomodados. Em contrapartida, também não se deve ficar apenas nos estudos técnicos, analisando o que foi escrito, e muito menos, sem uma devida abertura de coração. Este bom censo é necessário, a fim de que Deus possa nos ensinar a ler e a compreender o que foi Escrito.

O Catecismo apresenta três critérios para a interpretação da Bíblia conforme o que foi inspirado pelo Espírito Santo utilizando dos ensinamentos do Concílio Vaticano II:

1º - Estar atento ao conteúdo e à unidade de Bíblia inteira: Significa que a Bíblia, mesmo tendo muitos livros é uma só, é uma só verdade que se centraliza em Jesus Cristo, como já foi dito nos artigos anteriores. O Antigo Testamento anuncia e prepara a vinda de Cristo, enquanto o Novo Testamento é a realização da vinda de Cristo, com seu nascimento, morte, ressurreição, e o início da Igreja.

Portanto: Não devemos ler um livro ou um capítulo da Bíblia sem considerar todos os outros livros que a formam. Não faz sentido ler os Evangelhos falando que Jesus veio nos salvar e nos libertar do pecado sem considerar o livro do Gênesis, onde está relatado que o pecado entrou no mundo. Da mesma forma que não devemos pegar um livro qualquer, ler apenas um capítulo e tirar conclusões da história toda.

2º - Ler a Bíblia dentro da Tradição viva da Igreja inteira: A Igreja transmite o que aprendeu dos Apóstolos, aquilo que o Espírito Santo os inspirou. Como vimos anteriormente nos números 74 a 83 do Catecismo, a Bíblia nasceu da Traição, da pregação oral dos Apóstolos.

3º - Estar atento à analogia da fé: As verdades de fé tem uma ligação entre si. Ou seja, os diversos mistérios que vemos na Bíblia devem ser lidos de maneira harmônica. Por exemplo: O mistério da Encarnação ilumina o mistério da Eucaristia.


Os Sentidos das Escrituras

O Catecismo ensina dois sentidos básicos da Sagrada Escritura: O Sentido Literal e o Sentido Espiritual.

O Sentido Literal: É o que o texto Bíblico diz em si, é o sentido que a exegesedescobre. Exegese é a ciência que estuda as características do texto, contexto de época, cultura, o autor e etc.

O Sentido Espiritual: Abrange necessariamente o que Deus quis comunicar através do texto bíblico. Neste sentido, temos três dimensões (para melhor exemplificar, vamos tomar como base a história da libertação do povo de Israel da escravidão do Egito):

- Sentido Alegórico: A partir do fato de Cristo ser o centro das Escrituras, este sentido busca o significado dos acontecimentos em Jesus.Exemplo: Quando lemos a libertação do povo de Deus que estava escravizado no Egito e que caminha rumo à Terra Prometida sendo conduzidos por Moisés, interpretamos assim: “Nós somos o povo de Deus. Já o Faraó, é o Diabo que nos escraviza do pecado. Jesus vem nos libertar e noz faz passar pelas águas do Batismo assim como o Povo de Israel passou pelo Mar Vermelho. Passando pelo Batismo afogamos a tropa do faraó (Diabo), pois o Batismo nos abre caminho para a salvação. E, por sermos Igreja, caminhamos peregrinos neste mundo (como o povo de Israel caminhou pelo deserto) para chegarmos à Terra Prometida (alcançarmos a Vida eterna junto de Deus)”.

Ou seja, no sentido alegórico, mesmo que literalmente a história da libertação do povo de Israel não tenha nenhuma ligação com Jesus, e nem ao menos cite o seu nome, nós fazemos uma releitura deste acontecimento a partir de Jesus.

- Sentido Moral: Aponta para a nossa instrução, para um censo de justiça e moralidade. Por Exemplo: quando Moisés enfrenta o faraó por causa do povo de Deus, ou ainda as dificuldades enfrentadas pelo povo no deserto. É interessante observar que a Bíblia possui um ter moral, mas não é moralista porque não se resume a valores morais.

- Sentido Anagógico: A palavra anagógico significa “Ir para cima”. Remete à nossa salvação eterna, ao céu. Na prática, relaciona os acontecimentos com a nossa salvação, com a vida eterna junto de Deus. Exemplo: O povo de Deus que caminha no Deserto ruma à terra Prometida. A Terra prometida é o céu. Nós, que somos igreja, caminhamos neste mundo rumo ao céu, rumo à eternidade.

Os sentidos da escritura ajudam a trilhar o caminho da correta interpretação. O sentido espiritual sempre tem como base o sentido literal. Sem o literal não se pode começar nada. Porém, uma interpretação que só busca o literal se afasta da verdade revelada em Jesus, tratando a Bíblia como um livro qualquer.

Pra facilitar a nossa memória o Catecismo apresenta uma expressão bastante antiga:

«A letra ensina o que aconteceu, a alegoria o que deves crer, a moral o que deves fazer, a anagogia para onde deves caminhar»

Para concluir esta parte, o número 119 recorda a tarefa dos exegetas, para que ajude a Igreja em sua interpretação. Contudo, lembra algo bem importante:

“Com efeito, tudo quanto diz respeito à interpretação da Escritura, está sujeito ao juízo último da Igreja, que tem o divino mandato e o ministério de guardar e interpretar a Palavra de Deus

Continuaremos com nossa reflexão sobre a Bíblia no próximo artigo.

Sugestão de Leitura complementar: Exortação Apostólica Verbum Domini do Papa Bento XVI sobre a Palavra de Deus: 



Luan Carlos Oliveira
Ouro Preto-MG

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